terça-feira, 13 de julho de 2010

Falar sobre certos assuntos é muito difícil. Mas tem momentos em que o que você mais precisa é colocar para fora, escancarar aquilo que tenta-se há meses empurrar para dentro da gaveta.

Meu pai.

Depois de dez anos sem vê-lo, decidi tomar a iniciativa de procurá-lo. Calma, não foi de uma hora para outra. No processo do "Anel", estávamos trabalhando as nossas próprias histórias de perdas, e o afastamento do meu pai veio á tona. Então num feriado, decidi pegar o ônibus para Macaé e revê-lo.

Mas antes preciso voltar no tempo.

1999. Eu tinha 14 anos e tinha ido passar duas semanas das férias na casa do meu pai em Macaé. A primeira semana foi tranquila, mas na segunda... Bem, teve um dia que a mulher dele fez um cozido que não estava lá muito bonito. Então preferi comer um lanche na rua. Foi o estopim pra ela explodir e me expulsar da casa (que era dela). Anos mais tarde eu entendi que, naquela semana, ela apenas suportou a minha presença ali. Eu nunca entendi o porquê do meu pai se envolver com uma mulher como ela. Sem cultura, rude, grosseira... Enfim. O fato é que meu pai saiu da casa junto comigo. Fomos passar a noite na casa da Tia Leda, que morava perto. Depois meu pai achou que eu ficaria melhor com tia Terezinha. E foi ótimo conhecer meus primos, de quem eu tinha uma vaga lembrança na primeira infância. Aline, Waguinho e Nelsinho. Passei minha segunda semana em Macaé lá. E meu pai indo me ver todos os dias.

Depois disso nunca mais o vi.

Nos falamos algumas vezes pelo telefone em alguns natais, mas só.

E então, decidi tomar uma atitude e fui.

Chegando lá esperei por longos 30 minutos até que o vi. Dez anos depois. Ele não me reconheceu mas eu consegui reconhecê-lo. A primeira impressão que tive foi que ele encolheu. Claro que não, eu que devo ter crescido alguma coisa. Mas não foi fisicamente que ele encolheu. Foi na alma. Após um abraço, caminhamos para o terminal de Macaé para pegarmos o ônibus para ir para casa dele (da mulher dele, sim eles ainda estão juntos). Após alguns minutos o silêncio dominava. Eu perguntava muito sobre ele, a vida dele, o que ele tinha feito. Porque meu pai tinha tudo para ir muito longe, sempre foi muito inteligente. Mas as respostas vieram monossilábicas e iguais: cuidando das crianças (os filhos da mulher dele), dos netos (os filhos dos filhos)... Eu queria muito contar pra ele quem o filho dele tinha se tornado: O teatro, a faculdade, os namoros, a igreja, a família, a música, as viagens, os amigos... Mas ele não perguntou. Nada.

Ele parecia alheio a tudo, confuso. Tivemos que descer no meio do caminho pois ele constatou que tinha pegado o ônibus errado, enfim. Depois de algum tempo chegamos na casa. A mulher dele estava lá. Preparando o almoço. Me tratou bem, ela sim me perguntou o que eu estava fazendo. Logo depois meu pai sugeriu que fôssemos num bar próximo comprar um feijão tropeiro muito bom para completar o almoço. Fomos. E no caminho, outro silêncio constrangedor. Na volta, passamos na casa da Tia Leda e foi muito bom revê-la. Chegando na casa, almoçamos e liguei para Tia Terezinha, pois queria revê-la antes de ir. E também porque queria sair dali o quanto antes. Meu primo Waguinho atendeu, estavam na casa da Aline. Ele se prontificou a ir lá me buscar.

Enquanto meu primo estava a caminho, chegou por lá o João Cláudio, filho da mulher do meu pai. Ele estava com o filhinho dele. Ele chamou meu pai de "pai". E disse pro bebê "Vai lá com o vôvo". E aquilo me cortou a alma e me sangrou por dentro. EU ERA O ESTRANHO ALI. Aquela era a família do meu pai, aqueles eram o filho e o neto dele. O neto que eu não se poderei dar.

Waguinho chegou logo, para meu alívio e fomos embora. Me despedi deles e entrei no carro e desabafei com meu primo. Ele disse claramente o que tinha sido aquilo tudo: Reflexo do Alcoolismo na vida do meu pai. Perdi dois tios com problemas sérios de alcoolismo, um deles, o pai de Waguinho.

Chegando na casa da Aline, revi minha prima e minha tia Terezinha, conheci a filha de Nelsinho e o marido da Aline. E todos me disseram que havia acontecido o mesmo com tio Nelson antes de falecer. Não se interessava mais por nada da família. Só muito perto de morrer é que ele foi voltando. Mas já era tarde. E passamos aquele fim de tarde conversando amenidades, vendo bobagens na TV. Eles queriam me fazer esquecer o que eu tinha vivido.

Mas eu não esqueci. Não tem como esquecer que o meu pai, não é meu pai. É pai de João Cláudio, Pâmella e Fernanda. Tem sete netos. E se acostumou com uma vida medíocre de aposentado e "avô". Com a divertida função de buscar os netos na escola.

E não dá pra esquecer que nesse exato momento, ele deve estar em algum bar de Macaé com um copo de cerveja na mão.


Nem sempre uma perda nos parece compreensível, visto que, às vezes se mostra mais como uma desistência. Pelo menos aos nossos olhos. O fato é que a dor da perda é relativa não à coisa perdida, mas àquele que a perde.